quarta-feira, 12 de março de 2014

“Examinite aguda”: Doença que ataca a escola

Os sintomas são incómodos para alunos e professores e podem ter consequências graves a longo prazo.
Poderia elencar muitos dos males de que, hoje, padece a escola portuguesa. Vou falar apenas na “examinite aguda”, que desejo sinceramente que não passe a “examinite crónica”. Com pés de lã, no início, com passadas bem fortes, presentemente, aí estão os exames, a multiplicar-se e a dominar a vida das escolas. Cresceram em abrangência de anos de escolaridade e de disciplinas, aumentaram em peso na avaliação. Isso de avaliação contínua é um conceito em desuso ou em profunda transmutação.
E se fossem só exames!... Para que os alunos se preparem bem para os exames, aí estão os testes intermédios. E aos testes intermédios vindos do MEC, as escolas acrescentam, nas disciplinas em que o MEC os não proporciona, testes intermédios elaborados por si próprias.
E assim, entre outros males, a nossa escola padece hoje de “examinite aguda”. Os sintomas são incómodos para alunos e professores e podem ter consequências graves a longo prazo. Os professores têm andado e continuarão a andar sobrecarregados e completamente desgastados com ainda mais tarefas burocráticas, como, por exemplo, várias reuniões (para discutir a aplicação dos testes intermédios/exames, para fazer os testes intermédios que são elaborados pelas escolas, para definir as informações a dar aos alunos e famílias, para definir e divulgar os critérios de avaliação, etc.), já para não falar do imenso e minucioso trabalho de correção e classificação desses testes e dos exames. O ensino, necessariamente, acaba por se centrar nas competências e conhecimentos testáveis através de exames, com prejuízo de outras aprendizagens fundamentais a que os estudantes não vão poder ter acesso, por falta de tempo para o efeito. E que dizer das aulas das mais diversas disciplinas que não foram lecionadas para que sejam feitos os tais testes intermédios, realizados no mesmo dia e à mesma hora em todo o país?
E o que pensar do facto de os exames do 4.º e do 6.º anos se realizarem antes de terminado o ano letivo? Se eles contemplam toda a matéria, isto significa que ela tem menos tempo para ser lecionada. Aumentará isto a qualidade do ensino? E depois de realizados os exames, considerarão os alunos que o ano letivo ainda não acabou? Darão algum valor às aulas do resto do ano? E o que pensarão os estudantes dos vários ciclos acerca das disciplinas que não têm exame, se o próprio MEC as define como não fundamentais? Vale a pena estar com atenção e estudar a matéria dessas disciplinas? Afinal, o exame é que parece ser importante!
Finalmente, haverá, no entanto, certamente, muitas mais horas de trabalho não contabilizado nem remunerado para os professores do Estado (que aplicarão e corrigirão os exames) e lucro para essa entidade privada, que publica livros e outros materiais didáticos e que tem institutos de ensino de língua inglesa espalhados pelo país, já para não falar do preço dos diplomas (mesmo que sejam facultativos). Será que os nossos alunos vão conseguir falar inglês com mais fluência e correção porque vão fazer (obrigatoriamente) uma prova oral nesse exame? Ou aprenderiam mais se tivessem realmente tempo de praticar a oralidade nas aulas de Inglês? Como se lhes pode dar essa oportunidade nas aulas? Como se pode dar a cada um dos 30 alunos de uma turma de 9.º ano (ou de qualquer outro dos anos de escolaridade anteriores) “tempo de antena” para falarem em inglês com frequência (e até mesmo sem ela) nos 90 mais 45 minutos semanais da disciplina?
Neste espaço tentei aflorar alguns dos sintomas desta “examinite aguda” e levantar questões relativas às consequências. Esta doença está a entrar na rotina de uma forma preocupante, pelo que o tema merece grande reflexão e debate aprofundado. 
(Texto adaptado)


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