Por Sara R. Oliveira
Há uma mãe que optou pelo ensino doméstico e que conta as
suas experiências num blogue. A família proporciona um programa diversificado
aos três filhos. Tomás gosta de ler, Vasco de desaparafusar brinquedos e
Beatriz de jogar à bola.
Uma coroa de flores amarelas feita para a mãe com as mãos do
pequeno Tomás de 8 anos e a ajuda da avó. Muffins de banana e canela com
corações de chocolate que o Tomás inventou e cozinhou com a mãe para
experimentarem no aniversário do pai. Passeios pelo campo, a apanha de
joaninhas, a alegria de andar de baloiço. A descoberta do livro O Meu Pé de
Laranja Lima, muitas receitas de iogurtes, saídas culturais e jogos. Tudo cabe
no blogue de uma mãe adepta do ensino doméstico que, se for preciso, vai com o
filho de 8 anos assistir a conferências na Universidade do Porto.
Marta Boldt, licenciada em Matemática, é mãe de três filhos.
Tomás de 8 anos que frequenta o 3.º ano do ensino doméstico, Vasco de 3 anos e
Beatriz de 18 meses - os dois mais novos nunca andaram num infantário. Estão em
casa, onde quase tudo acontece. A família mora no Porto e o pai vive e trabalha
em Viseu. Por isso, há dias no Porto e dias em Viseu. E é no blogue
"Caminhando Juntos" que Marta partilha experiências, fotografias,
pensamentos, criações, atividades, jogos, receitas, saídas. Fá-lo de peito
aberto e é um dos raros testemunhos públicos de quem pratica o ensino doméstico
no nosso país.
"Não sou fundamentalista e não vejo no ensino doméstico
a única opção viável, nem acho que deva ser generalizada. Mas cada criança tem
características únicas que devem ser respeitadas" - afirma ao EDUCARE.PT.
"Acredito que existam casos em que a criança se adapta facilmente ao
ensino tradicional e que as respetivas famílias vejam nele mais vantagens do
que desvantagens. Mas quando isso não acontece, é bom saber que existem outras
opções que são praticamente desconhecidas da maioria dos pais" - acrescenta.
A ideia de ensinar os filhos em casa sempre a fascinou, mesmo antes do
nascimento do primeiro filho. Tomás nasceu, Marta interessou-se por livros
sobre desenvolvimento infantil e descobriu relatos que a inspiraram. Não tardou
a tomar a decisão depois de o Tomás ter frequentado o 1.º ano da escola.
"Para mim, o ensino doméstico é muito mais do que a
passagem de conteúdos escolares. A ideia de ensino doméstico pode ser vista
como uma imagem antiquada com crianças fechadas em casa a aprender uma minirreprodução
da escola, quando é exatamente o contrário. A ideia base é fazer do mundo a
nossa sala de aula e seguir os interesses e paixões de cada um", conta.
Nem que isso implique ir com o Tomás a conferências sobre o Antigo Egito na
Universidade do Porto ou ensinar-lhe a numeração romana quando tinha seis anos
por causa da paixão pelos livros do Astérix.
Sair do rebanho
Não há rotinas lá em casa. Marta vai gerindo o seu tempo,
conforme o fluxo de trabalho nas ações de formação profissional na área da Matemática,
entre os dias no Porto e os dias em Viseu, aí com a família completa. Tomás,
Vasco e Beatriz são as prioridades, as arrumações e limpezas ficam sempre para
segundo plano. Os períodos de sono são geridos, os mais novos fazem sestas, e a
mãe Marta tenta dedicar pelo menos uma hora por dia em exclusivo a cada filho.
Altura para fazer o que mais lhes agradam: ler com o Tomás, aparafusar e
desaparafusar brinquedos com o Vasco, jogar à bola com a Beatriz. "Em
conjunto, tento diariamente ter contacto com a Natureza. Uma ida ao parque,
brincar no pátio, andar de bicicleta, tratar da mini-horta ou alimentar as
galinhas da vizinha, são boas opções. Além disso, pintamos, lemos, ouvimos
música, vemos DVD, brincamos, cozinhamos - o que dá uma aula de Matemática excelente
- e fazemos muitos Legos", refere. A ida a museus, ao teatro, ao cinema, a
workshops de ciência também entram na agenda da família, que adora viajar.
"É importante diversificar os programas, mesmo não sabendo se vão gostar.
Estamos a dar a oportunidade de mais tarde fazerem um juízo próprio e poderem
optar por uma ou outra área de interesse.
Tomás está no 3.º ano do ensino doméstico. Andou na escola no
1.º ano, no 2.º ficou acordado que haveria flexibilidade em o receber nas aulas
e que iria realizar as fichas de avaliação no final de cada período. "Esta
experiência tem sido muito positiva e estamos muito felizes com os resultados.
Somos mais felizes assim!", confessa. Marta Boldt tenta seguir o currículo
escolar. No ano passado, não comprou os manuais escolares, este ano fê-lo
porque o Tomás vai mais vezes à escola. "Ele não gosta da obrigação de nos
sentarmos um ao lado do outro e do 'agora vamos aprender isto'. Tenho deixado
as coisas um pouco ao ritmo dele e aproveito a sua curiosidade infinita para
aprofundar um ou outro tema. Também resulta 'deixar por acaso' um livro de
determinado tema em cima da mesa - pois sei que ele não lhes resiste -, brincar
com materiais manipuláveis e jogar software educativos, como é o caso da Escola
Virtual", revela.
O futuro próximo da educação dos filhos ainda não está
definido e o estado nómada da família terá sempre peso na decisão. Marta ainda
não decidiu se vai optar pelo ensino oficial no 2.º ciclo e se irá seguir os
mesmos passos do Tomás com o Vasco e a Beatriz. Mas seja como for, as vantagens
do ensino doméstico já estão entranhadas na família. "Apesar da
importância da escola, somos todos pessoas, temos de ouvir as nossas crianças,
mostrar interesse e apoiar as suas paixões, fazer com que vivam cada dia com autonomia,
valorizar o pensamento pela própria cabeça, em vez de sermos mais uma ovelha
num rebanho, ter sempre presente que a sabedoria de que precisamos para vencer
os obstáculos e necessidades diárias não vem enfiada em manuais
escolares".
Marta Boldt reconhece que a escola tem vantagens e
desvantagens e continua adepta do ensino em casa. "O problema não está
certamente nos profissionais, pois com turmas de mais de 20 crianças e
limitados a quatro paredes não podem fazer milagres e devem ser felicitados por,
mesmo assim, conseguirem, eles e algumas crianças, chegar a bom porto",
comenta.
O ensino doméstico é legal em Portugal. O boletim das
matrículas tem essa opção. O familiar que será o tutor da criança tem de
apresentar o certificado de habilitações - que terá sempre de ser superior ao
da criança ou jovem - e, dependendo da direção regional de educação, a
avaliação é acordada entre o encarregado de educação e a escola. A legislação
prevê que a criança será sujeita a um exame no final de cada disciplina.
Informação: http://ensinodomestico.blogspot.pt
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