Fonte: http://www.educare.pt/
Por: Armanda Zenhas
Este ano não vou organizar o meu
habitual magusto, em que as castanhas e outros "comes e bebes" se
seguem à apresentação de trabalhos dos meninos sobre o tema. O desaparecimento
da Área de Projeto veio colocar dificuldades à realização de trabalhos deste
tipo.
A conversa é
como as cerejas, costuma dizer-se. Neste mês de novembro, apetece-me dizer que
os pensamentos são como as castanhas. Tal como estas, de que tanto gosto,
também aqueles são puxados uns pelos outros e, no caso presente, pelo mês do
magusto.
Desde há
muitos anos que, como diretora de turma, faço as reuniões de pais com estes e
com os alunos. Procuro fazer uma média de duas reuniões por período, com
conteúdos diferentes e significativos. A presença conjunta de encarregados de
educação e alunos começou por visar a sua interação na análise dos problemas e
na definição de medidas para os resolver, bem como a corresponsabilização de
cada menino e seus pais pela aplicação daquelas a eles respeitantes. Os
assuntos são variados: organização do tempo de estudo, alimentação saudável,
tempo de sono, entre muitos outros. As formas de abordagem são igualmente
variadas: apresentação de trabalhos dos alunos sobre os temas; debates
dinamizados por mim, como diretora de turma, por especialistas convidados, por
encarregados de educação. Os momentos (que nunca são) formais conjugam-se com
momentos de convívio. O primeiro momento de convívio do ano letivo tem sido
sempre... o magusto.
E eis como
chegámos ao tema deste artigo. Este ano não vou organizar o meu habitual
magusto, em que as castanhas e outros "comes e bebes" se seguem à
apresentação de trabalhos dos meninos sobre o tema (encenação da lenda de S.
Martinho; exposições orais e/ou documentais sobre o valor nutricional da
castanha, o papel desta na alimentação em Portugal ao longo dos tempos, recolha
de receitas com castanhas; declamação de quadras feitas pelos alunos;
apresentação de provérbios por eles recolhidos junto das famílias). O
desaparecimento da Área de Projeto veio colocar dificuldades à realização de
trabalhos deste tipo. Soma-se o aumento do tempo de trabalho docente, que se
tem vindo a fazer sentir de há anos para cá, e que este ano cresceu ainda mais.
O tempo
docente conta-se ao minuto, através de contas habilidosas. Os (até agora) 22
tempos de 45 minutos, com a liberdade das escolas em organizarem as aulas em
tempos de 45 ou de 50 minutos, transformaram-se em 22 tempos de 50 minutos*.
Multiplica-se 50 por 22 e a componente letiva passa a ser de 1100 minutos, que
são, depois, divididos por 45 ou por 50, conforme a estrutura em vigor em cada
escola. E é assim que cada professor passa a dar, em média, mais dois tempos
letivos por semana. Se lhe acrescentarmos o desaparecimento de Estudo
Acompanhado, Área de Projeto e Formação Cívica e a diminuição do tempo letivo
de várias disciplinas, o resultado equivale a mais trabalho para quem fica com
emprego e a mais desemprego para muitos docentes. Os professores empregados
passam a ter um maior número de turmas (com mais alunos). Daí advém um
acréscimo de trabalho na preparação de aulas e na correção de trabalhos fora
delas, sem que os minutos da componente de trabalho individual tenham aumentado
na lei. Passa também a haver mais reuniões (na prática, mas não na componente
do horário a elas destinada). E foi assim que cheguei ao mês do magusto rendida
ao facto de não o conseguir fazer. Tenho lutado contra esta rendição nos
últimos anos e foi com uma profunda tristeza que partilhei esta decisão com os
meninos e os pais na última reunião que tivemos. Compreenderam, mas ficaram
tristes.
E regresso
ao princípio. Os objetivos que referi ter quando comecei a fazer este tipo de
reuniões cresceram. Pais e meninos ajudaram-me a encontrar outros:
- As
aprendizagens que vão ser partilhadas com as famílias tornam-se mais
significativas para os alunos, que aprendem com mais gosto e que se empenham na
concretização de formas criativas de as apresentar e transmitir.
- Os pais
gostam de conhecer melhor a escola e o que os filhos fazem nas aulas e dão mais
valor ao trabalho dos professores.
- Pais e
professores têm um importante espaço de interação e de conhecimento mútuo.
- Os pais
conhecem os amigos dos filhos e sentem-se mais seguros quando os deixam ir
brincar ou estudar para casa deles.
- Os pais
conhecem-se uns aos outros e criam cumplicidades e redes de entreajuda, por
exemplo, nas boleias para casa ou para outras atividades fora da escola.
- O
grupo-turma é constituído por alunos, professores, pais e restante família. O
sentimento de pertença a esse grupo faz da escola um local onde se aprende com
mais gosto e se (con)vive, onde sabe bem estar, um local onde se partilham e
constroem conhecimentos e afetos.
Estamos em
novembro, mês das castanhas, mês do magusto, mês do MEU magusto com este grupo
a que tanto gosto de pertencer, o grupo dos meus alunos e das suas famílias, e
que se constrói como grupo também nesse magusto. Este ano não vou fazer o
magusto com eles, porque o tempo para a família, para a minha família, tem
vindo a diminuir cada vez mais. A riqueza dos minutos docentes vai-se tornando
progressivamente mais difícil de garantir, tanto a dos cada vez mais numerosos
minutos legislados para as aulas, como os cada vez mais numerosos mas não
reconhecidos minutos necessários para o trabalho fora das aulas. Perde-se a riqueza
e o prazer dos minutos que deixam de poder existir para viver momentos como o
meu magusto. Mas sei que, custe o que custar, não serei nunca uma professora
limitada à transmissão de conhecimentos, porque essa deixaria de ser eu e não
posso anular-me a mim própria.
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