Por Andreia Lobo
A OCDE mostra uma panóplia de
soluções encontradas em diversos países para valorizar a profissão docente. Uma
tónica é comum: as grandes reformas na educação implicam consensos.
O Reino Unido e a Finlândia
melhoraram o estatuto da profissão docente para atrair candidatos aos cursos de
ensino. Em Singapura, os potenciais professores são selecionados entre os
melhores alunos do secundário. Na Suécia, os salários são negociados
individualmente entre o professor e o diretor da escola, permitindo salários mais
elevados em áreas geográficas ou disciplinares de escassez. Incentivos
salariais para premiar a competência e a criação de padrões profissionais na
Noruega e Austrália, foram as soluções encontradas para dignificar a classe.
O relatório "Construindo uma
profissão docente de alta qualidade: Lições à volta do mundo", publicado
pela Organização de Cooperação e Desenvolvimento Económico (OCDE), fornece
exemplos vindos de todo o mundo de como a colaboração entre ministérios da
Educação, representantes docentes e autoridades locais serve de base à
transformação da profissão.
Nutrir o talento
Em Singapura, a vocação para o
ensino não é deixada ao acaso. O governo seleciona os candidatos a professor
entre os melhores alunos do secundário oferecendo-lhes uma bolsa mensal,
equivalente ao salário dos recém-licenciados, durante o período de formação. Em
troca estes professores comprometem-se a lecionar por três anos no ensino
público. O sistema educativo prevê ainda a entrada no ensino a quem está a meio
de outra carreira. Acredita-se que seja uma forma de trazer experiência do
mundo real para a escola. Quem escolhe a profissão de docente pode seguir três
saídas diferentes: professor mestre, especialista em currículo ou investigação,
e líder escolar. Cada uma com benefícios salariais específicos. A avaliação,
feita anualmente após os três primeiros anos de ensino, tem como objetivo
perceber qual das carreiras se adequa melhor às apetências do docente.
A preocupação com a satisfação
dos professores reflete-se no modo como o governo tem ajustado os seus salários
em conformidade com os dos outros licenciados. Tornar o ensino tão
compensatório como as outras profissões é a estratégia usada para atrair
candidatos mais qualificados.
Mudar a imagem
Quando tomou posse, o governo de
Tony Blair enfrentou a pior escassez de professores de que há memória no Reino
Unido. Cinco anos depois, contavam-se oito candidatos para cada vaga. O aumento
dos salários, mudanças importantes nas escolas e um programa de atribuição de
bolsas de estudo aos candidatos marcaram a reviravolta.
Com forte apoio político e
financeiro, no ano 2000, a Agência de Formação e Desenvolvimento (AFD) realizou
uma extensa pesquisa de mercado sobre as motivações e barreiras à opção pela
carreira docente. Concentrando-se na ideia de ensinar "a fazer a
diferença", foi lançada uma campanha para melhorar a imagem do magistério
onde também se destacavam fatores como a diversidade de competências que os
professores adquirem, a variedade de saídas profissionais no ensino e a
possibilidade de fazer do ensino uma "carreira" inicial, antes da passagem
para outras.
A abordagem publicitária foi
direta. A criação de uma linha telefónica de informação nacional permitiu
recolher dados sobre os interessados na via ensino e sinalizar estudantes com
competências para áreas de escassez, como a matemática e a física. Em 2005, o
número de professores nestas disciplinas já tinha duplicado.
Elevar o estatuto profissional do
professor foi também uma estratégia utilizada na Finlândia. Os professores
sempre gozaram de grande respeito na sociedade finlandesa. Mas ao elevar a
fasquia de acesso aos cursos de ensino e ao conceder maior autonomia aos
professores na sala de aula, o governo conseguiu dignificar ainda mais a
profissão.
Em 2010, contavam-se 660 vagas
disponíveis nos cursos de ensino primário (do 1.º ao 6.º ano), nas oito
universidades que formam professores, para 6600 candidatos. Este clima
competitivo tem tornado o ensino uma profissão seletiva e altamente
qualificada.
Desde 1980 que o recrutamento
docente tem como critério a capacidade de transmitir uma educação pública tão
profundamente humanista, como cívica e económica. A formação inicial prepara o
corpo para assumir a responsabilidade pelo bem-estar e a aprendizagem dos
alunos. Durante a carreira espera-se ainda que os profissionais do ensino
combinem a prática letiva com a investigação.
Melhorar as práticas
O professor é formado para
realizar pesquisa-ação durante a prática letiva. As autoridades de Xangai, na
China, contam com estas investigações para melhorar o método de ensino
individual e, assim, a qualidade do sistema educativo. À semelhança do que
acontece na Finlândia, nenhum aluno é, literalmente, autorizado a ficar para
trás. Por isso, é essencial ao docente ter a competência e o conhecimento
necessários para criar um vasto e atualizado leque de soluções para os
problemas de desempenho dos estudantes.
Ao longo da carreira, os
professores desta província chinesa participam em grupos de
"estudo-ensino", muitas vezes envolvendo outros profissionais que os
ajudam a melhorar a forma como ensinam. Durante estas sessões, os participantes
elaboram planos detalhados sobre tópicos a lecionar que os guiam durante as
aulas e atestam o seu desempenho profissional. Muitas vezes, as aulas dos
seniores são observadas pelos colegas mais inexperientes, quando é introduzida
uma mudança no currículo ou para que a sua prática sirva de exemplo.
Para subir de escalão, o
professor deve contribuir para a formação de novos docentes e publicar artigos
em jornais ou revistas sobre educação e ensino. A autoridade provincial muitas
vezes identifica os melhores professores que emergem de processos de avaliação
e retira-lhes a componente letiva, para que possam dar palestras aos seus
pares, proporcionando demonstrações de aulas no distrito, província e mesmo a
nível nacional.
Diversificar a carreira
Na Austrália, a estrutura da
carreira envolve dois a quatro escalões, com aumentos salariais anuais: de
professor iniciado a experiente - com ou sem responsabilidades na liderança da
escola ou na coordenação de uma área de ensino - de assistente do diretor a
diretor, e por último, o exercício de cargos na administração distrital ou
regional. No entanto, a subida aos escalões mais altos requer a existência de
vagas.
Na Inglaterra e País de Gales,
foi introduzido em 1998 na carreira docente o grau de Professor com
Competências Avançadas (PCA), que fornece uma rota alternativa para quem deseja
permanecer na sala de aula. Estes professores passam 20% do seu tempo de
trabalho a apoiar o desenvolvimento profissional dos seus colegas e o restante
a lecionar. Os candidatos podem concorrer a este grau em qualquer ponto da
carreira sujeitando-se a uma avaliação externa que engloba entrevistas e
observação de aulas. Em julho de 2004, cerca de 5 mil professores passaram a
avaliação de PCA e a intenção é graduar entre 3% a 5% da classe.
Na Irlanda, 50% da classe docente
pode alcançar uma das quatro principais posições na carreira: diretor, diretor
adjunto, assistente do diretor e professor com deveres especiais na gestão da
escola. Os dois últimos cargos obrigam os docentes a ter responsabilidade sobre
assuntos académicos, administrativos e pastorais, incluindo arranjos de
horários, na ligação com as associações de pais, e na manutenção de
equipamentos escola. Tudo isto a par da componente letiva. A seleção para estes
cargos é feita pelo diretor e o conselho de administração da escola.
No Quebeque, Canadá, os
professores mais experientes podem trabalhar como mentores dos colegas que
lecionam nos cursos de ensino, recebendo uma remuneração adicional ou uma
redução na componente letiva. Cerca de 12 mil professores participam no
programa mentor. Alguns têm a oportunidade de se tornar copesquisadores nas
universidades, participando em estudos colaborativos sobre temas ligados ao
ensino, aprendizagem, gestão de sala de aula e sucesso ou fracasso do aluno.
Negociar salários individuais
Em 1995, a Suécia aboliu o
salário fixo dos professores, como parte de um pacote destinado a aumentar a
autonomia local e da flexibilidade no sistema educativo. O governo federal
estabeleceu um salário mínimo a partir do qual o montante passaria a ser
negociado individualmente. E, comprometeu-se a aumentar substancialmente os
vencimentos ao longo de cinco anos, com a condição que nem todos os professores
recebessem o mesmo aumento.
Os salários são negociados quando
da contratação e anualmente pelo diretor e o professor, que pode solicitar
assistência do sindicato. A negociação é feita com base em vários fatores. O
nível de ensino é um deles. No secundário os salários são mais elevados que no
básico. A situação do mercado de trabalho é tida em conta: os ordenados são
melhores nas regiões ou disciplinas onde faltam professores, como a matemática
e as ciências. O acordo coletivo exige que o aumento salarial esteja ligado a
uma melhoria do desempenho, permitindo que as escolas possam diferenciar a
remuneração de professores com tarefas semelhantes ou responsabilidades
acrescidas.
Criar padrões profissionais
O Instituto Australiano Ensino e
Liderança Escolar (IAELE) estabeleceu padrões profissionais nacionais para os
professores, aprovados pelos ministros federais e estaduais em dezembro de
2010. O objetivo: tornar claro o que os professores devem saber e ser capazes
de fazer, ao longo da carreira e nos domínios do conhecimento e da prática
profissional. Fazem parte deste instituto os sindicatos ligados ao ensino e um
órgão independente para a promoção da excelência profissional e liderança
escolar.
Uma ampla reforma focada para
melhorar o ato de ensinar, foi a solução encontrada em 2003 pela província
canadiana de Ontário para qualificar a profissão. Aos professores foi dada a
oportunidade de pôr em prática novas ideias e de aprender com os seus colegas.
A estratégia integrou as expectativas dos alunos e dos professores. A reforma
ganhou o apoio da classe docente pois viria a ser implementada por
especialistas, afastando os burocratas.
Para a aceitação foi central a
assinatura de acordos de quatro anos com os principais sindicatos do setor, nos
anos 2005 e 2008. O ministério foi assim capaz de negociar itens consistentes
com a sua estratégia e os interesses dos sindicatos, que incluíam uma redução
do tamanho da classe e a criação de tempo de preparação extra. Medidas que
permitiram a criação de 5000 e 2000 novos empregos, respetivamente. Estava
criada a paz laboral para ocorrer a mudança necessária.
Incentivar a competência
Na Noruega, os governos e os
sindicatos têm colaborado para melhorar e reconhecer a competência dos
professores. Em 2008, o leque salarial foi alargado para premiar professores
altamente competentes, sempre que identificados pelo diretor da escola.
O Ministério da Educação
norueguês, a organização central para governos locais e regionais, instituições
de formação de professores e sindicatos criaram um sistema de educação para
professores em serviço. Cerca de 2 mil vagas foram reservadas em faculdades e
universidades para serem ocupadas a tempo inteiro ou parcial. Aos participantes
foi concedida licença laboral com vencimento, sendo os custos da sua
substituição na escola suportados pelo governo central e o empregador local.
Apesar do acordo, entre o governo
central e os parceiros educacionais, a implementação destas e outras
iniciativas para aumentar a competência docente só avança com o aval das
respetivas autoridades locais, compostas por 420 municípios e 19 distritos.
Ao longo do relatório, a OCDE
sublinha a importância de colocar o professor no centro das mudanças
educativas. A avaliação e a recompensa devem andar de braço dado, diz a
organização. Autonomia e responsabilidade também são essenciais para elevar o
estatuto social da profissão docente.