Era
uma vez um rei que tinha uma filha a quem queria mais do que tudo no mundo.
Quando chegou à idade de casar, o rei propôs-lhe que escolhesse um noivo,
porque não queria que o trono ficasse sem herdeiro.
Ela não gostou da proposta que o rei, seu
pai, lhe fez porque estava apaixonada por um príncipe que ela via todas as
noites em sonhos, falando sempre com ele. Depois disse ao rei que só casaria
com o seu noivo que ela via todas as noites em seus sonhos.
O rei, quando tal ouviu, riu-se a valer e
deixou passar ainda muito tempo, porque achou muita graça aos sonhos dela e
atribuiu a criancice; mas, quando chegou o tempo devido de a princesa se casar,
tornou-se mais séria a sua recusa. Chegou a tal ponto o desgosto do pai que a
ameaçou com a morte, se não escolhesse o noivo, que então escolhê-lo-ia ele!
Por fim, o rei, seu pai, receando que o
trono ficasse sem herdeiro, decidiu meter medo à filha, dizendo-lhe que lhe
dava três dias para pensar, e se, no fim deste tempo não escolhesse o noivo,
que havia de casar por força com um nobre da corte.
Ela, coitadinha, com quem chorava e
desafogava era com a ama, que a criou e que lhe queria tanto como se fosse sua
filha.
Levaram ambas a rezar três noites quase
inteiras à janela, para que se lhe aparecia o seu príncipe imaginário, mas ele
não aparecia. No último dia, já ao escurecer, quando já esperança alguma as
alentava, e chorando ambas com grande aflição, ouviram trotar um cavalo, e a
princesa pegou na mão da ama disse-lhe:
– Ó ama, é ele que aí vem! É ele, é ele!
No mesmo instante, aparece um cavaleiro,
montado num riquíssimo e lindo cavalo, e fez-lhes sinal para que seguissem sem
ninguém saber. Ele ia correndo a bem correr, voltado para elas e com a mão
estendida indicando-lhes o caminho, e lá foram elas correndo atrás dele, como
que magnetizadas e sem se cansarem.
Ao romper a manhã, chegaram a uma grande
cidade e, no momento de a avistarem, desapareceu o príncipe. Mas elas quase não
se incomodaram com isso, pela esperança que já as confortava, e começaram a
admirar que uma grande cidade se não ouvisse sequer um zumbido de um mosquito.
Subiram e andaram vendo o palácio, e deram
com uma grande sala que conheceram logo de pessoas reais, mas qual foi o seu
espanto viram o rei, a rainha, e o príncipe, que ela conhece ser o seu noivo.
Mas tudo transformado em pedra. Como estavam cansadas de tantas sensações
fortes, deitaram-se.
Pela manhã acordaram, e sempre o mesmo
silêncio, mas a princesa contou:
– Sabes o que sonhei, ama? Que eu é que
tinha de desencantar esta cidade inteira! Hoje ao meio-dia, tenho de ir dar uma
grande bofetada no meu príncipe, que está amortalhado e morto na grande sala! Vê
tu ama, se eu terei medo sabendo que, se tiver o menor susto de lhe dar a
bofetada, fico sem ele. Não, não tenho medo algum!
Esperou o meio-dia com grande prazer,
assim que o relógio deu doze badaladas, abre a porta do salão e vê o seu
príncipe amortalhado num caixão. Reuniu toda a sua coragem e avançou para ele
e, levantando a sua linda mão, deu-lhe uma bofetada que até fez eco.
No mesmo instante, levantou-se o morto, já
vivo, e abraçou a sua querida princesa, agradecendo-lhe o ser ela que o tinha
livrado daquela desgraça. Ela não estava em si de admiração, pois que tudo
tinha recuperado a voz, de tal modo que o grande silêncio que havia se
transformado num labirinto: as pessoas a falar, os passarinhos a cantar, os
sinos a tocar… e tudo numa grande alegria corria de um lado para o outro a
perguntar quem foi a santa e corajosa que os tinha desencantado!
Correram o palácio e lá viram o rei e a
rainha a abraçarem a linda menina que os salvara daquela triste sorte. Mandaram
embaixadores avisar o rei da façanha da princesa.
Ele que já estava arrependido de a querer
obrigar a casar, correu logo a ir abraçá-la. Assim que chegou, celebrou-se o
casamento dos príncipes que tiveram muitos filhos e viveram, talvez, mais de
cem anos, sendo a rainha mais feliz e melhor que houve.
O príncipe Imaginário e Outros
Contos Tradicionais
(Adaptado)