quinta-feira, 31 de dezembro de 2009

sábado, 5 de dezembro de 2009

E vale a pena ser professor?
João Ruivo
O novo milénio atribui aos professores funções e competências indispensáveis ao desenvolvimento da sociedade do conhecimento. O futuro tem que ser construído com os professores e as suas organizações. Nunca contra, ou apesar deles.
Claro que vale. E muito! Ser professor é a mais nobre dádiva à humanidade e o maior contributo para o progresso dos povos e das nações. E, como ninguém nasce professor, é necessário aprender-se a ser. Leva muitos anos de estudo, trabalho, sacrifício, altruísmo e até dor.
Um professor tem que aprender o que ensina, o modo de ensinar e tudo (mesmo tudo) sobre os alunos que vão ser sujeitos à sua actividade profissional. Mas não se iludam: depois de tudo isso um professor nunca está formado. Tem que aprender sempre. Um professor carrega para toda a vida o fardo de ter que ser aluno de si próprio. De se cuidar, de estar sempre atento, ter os pés bem postos no presente e os olhos bem focados no futuro.
Ser professor obriga a não ter geração. Professor tem que saber lidar com todas elas, as que o acompanham durante quatro décadas de carreira. É pai, mãe e espírito santo. E, para o Estado, ainda é um funcionário que, zelosamente, se obriga a cumprir todas as regras da coisa pública.
Por tudo isso, professor é obra permanentemente inacabada. É contentor onde cabe sempre mais alguma coisa. O professor é um intelectual, mas também é um artesão; é um teórico, mas que tem que viver na e com a prática; é um sábio, mas que tem de aprender todos os dias; é um cientista que tem que traduzir a sua experimentação para mil linguagens; é um aprendente que ensina; é um fazedor dos seres e dos saberes; mas é também um homem, ou uma mulher, como todos nós, frágil, expectante e sujeito às mais vulgares vulnerabilidades.
O professor contenta-se com pouco: alimenta a sua auto-estima com o sucesso dos outros (os que ensina), e tanto basta para que isso se revele como a fórmula mágica que traduz a medida certa da sua satisfação pessoal e profissional. Por isso é altruísta e, face ao poder, muitas vezes ingénuo e péssimo negociador.
O professor vive quase todo o tempo da sua carreira em estádios profissionais de enorme maturidade e de mestria. São estádios em que a maioria dos docentes se sentem profissionalmente muito seguros, em que trabalham com entusiasmo, com serenidade e com maturidade, e em que, num grande esforço de investimento pessoal, se auto conduzem ao impulsionar da renovação da escola e à diversificação das suas práticas lectivas.
Infelizmente, de onde devia partir o apoio, o incentivo e o reconhecimento social, temos visto aplicar medidas políticas, e expressar pensamentos, através de palavras e de obras, que menorizam os professores, que os denigrem junto da opinião pública, no que constitui o maior ataque à escola e aos professores perpetrado nas últimas três décadas do Portugal democrático.
Um ataque teimoso, persistente, vitimador e injustificado que tem levado o grande corpo da classe docente a fases profissionais negativas, de desânimo, de desencanto, de desinvestimento, de contestação, de estagnação, e de conformismo, o que pressagia a mais duradoira e a mais grave conjuntura profissional de erosão, mal-estar e de desprofissionalização.
Se não for possível colocar um fim rápido a estas políticas de agressão profissional, oxalá uma década seja suficiente para repor toda uma classe nos trilhos do envolvimento, do empenhamento e do ânimo, que pressagiem o regresso ao bem estar e à busca do desenvolvimento pessoal.
Importante, agora, será a persistência na ilusão. Os professores são uma classe única e insubstituível. A sociedade já não sabe, nem pode, viver sem eles. O Estado democrático soçobraria sem a escola. O novo milénio atribui aos professores funções e competências indispensáveis ao desenvolvimento da sociedade do conhecimento. O futuro tem que ser construído com os professores e as suas organizações. Nunca contra, ou apesar deles.
Ser professor é, portanto, tudo isto e muito mais. É uma bênção, é um forte orgulho e uma honra incomensurável. Quem é professor ama o que faz e não quer ser outra coisa. Mesmo se, conjuntural e extemporaneamente, diz o contrário. Fá-lo por raiva e revolta contra os poderes que, infamemente, o distraem da sua missão principal e, injustamente, o tentam julgar na praça pública, com cobardia e sempre com grave falta ao rigor e à verdade.
Como diria a minha colega Alen, ao longo da história mais recente a sociedade já precisou que os professores fossem heróis para que assegurassem o ensino nos momentos mais difíceis e nas condições mais adversas; já necessitou que fossem apóstolos para que aceitassem ganhar pouco; que fossem santos para que nunca faltassem, mesmo quando doentes; que se revelassem sensíveis, para que garantissem as funções assistenciais e se substituíssem à família e ao Estado; e que, simultaneamente, se mantivessem abertos e flexíveis para aceitarem todas as novas políticas e novas propostas governamentais. Mesmos as mais ilógicas e infundadas.
Porém, agora é bom que os mantenhamos lúcidos para que possam ultrapassar com sucesso este desafio, esta dura prova a que todos os dias se têm visto sujeitos e para que possam ver ficar pelo caminho as políticas e os políticos que os quiseram humilhar।
In www.portoeditora.pt
TPC e estudo são a mesma coisa?
Maria José Araújo* 2009-09-23
Há uma diferença muito grande entre fazer TPC e estudar. Quando me refiro ao excesso de TPC, estou a referir-me às contas, tabuada repetida, cópias e fichas que as crianças mais pequenas levam para fazer depois da escola, mas também ao excesso de trabalhos que são uma repetição do que se fez na aula e, ainda, às actividades que são mais aulas depois das aulas. Estudar é outra coisa1.



Estudar tem de ter a adesão voluntária das crianças. Deve ser algo que elas percebam e por que se interessem. Perceber que conhecer, aprender e ter a possibilidade de participar no mundo de uma forma informada é algo estimulante, e as crianças gostam deste sentimento. Estudar é perceber mais e melhor... não é repetir o que os adultos impõem.

O conceito de estudar é muito confuso para as crianças e elas só o vão percebendo com o decorrer da escolaridade e à medida que se vão confrontando com outras situações -como, por exemplo, estudar a tabuada, estudar para um teste - e, mesmo assim, tudo isso depende delas. A função de estudar, não sendo uma operação muito concreta, é algo que não é muito claro para as crianças nem, provavelmente, para os adultos com quem convivem.

As crianças têm múltiplos interesses que são desprezados em função da "matéria escolar".

Todos sabemos disto - o que muitas vezes não sabemos é o que fazer para corrigir esta desatenção. Neste sentido, se se confundir TPC com estudar, estamos a dizer às crianças que estudar é aquele trabalho repetitivo, cansativo e mecânico que é proposto na maior parte dos TPC. É muito importante que se entenda isto, senão é o conhecimento e a própria Escola que estamos a desvalorizar.

A maior parte das crianças não gosta de fazer "trabalhos de casa", mas aceita a obrigatoriedade da tarefa mais ou menos pacificamente. Outras, contudo, manifestam-se: É uma seca... Tenho de estar sempre a escrever... cansa a mão... Já estou cheio (...). Este sentimento alarga-se às educadoras do ATL, quando referem: estamos para aqui a ajudar as crianças, conscientes de que não sabemos ensinar. Os métodos são diferentes e se as crianças não sabem, deviam aprender na escola (...) Mas não é assim (...) quanto menos sabem mais trabalhos trazem para fazer..... É muito cansativo.... Apesar das dificuldades (não sabem fazer ou estão cansadas após um dia na escola), os "trabalhos de casa" aparecem sempre como alguma coisa que faz parte dos seus quotidianos, que está naturalizada e que, portanto, não se questiona - (...) temos de fazer todos os dias e muitos... Ou cuja realização é condicionada pelo medo - se não fizer a minha professora ralha-me (...). Convém salientar aqui que as crianças, quer tenham 6, 7, 8, 9 ou 10 anos de idade, têm a mesma quantidade de tempo ocupado com obrigações escolares, independentemente do seu tamanho, ritmo ou contexto de vida.

Há, como sabemos, muitas formas de aprender e de ensinar, como há muitas de estudar. O acto de estudar, como de ler, não é de fácil ensino. Para ajudarmos as crianças a perceber o que significa estudar, qual o significado de estudar, é preciso respeitar algumas regras que se prendem com o ritmo de cada criança e com a forma que cada um arranja para satisfazer a sua curiosidade. As crianças são todas diferentes e, portanto, têm formas diferentes de se adaptar e se interessar. Assim, aplicar uma "receita" igual a todas, mandá-las ler e repetir, não é de modo algum a melhor forma de elas se familiarizarem e começarem a perceber o acto de estudar. Algumas crianças gostam de procurar informações sobre matérias que lhes suscitaram curiosidade, gostam de escrever coisas e são muitos perspicazes. Tudo depende das matérias e das crianças. Se o intuito de algumas propostas dos TPC é treinar a memória, há também muitas formas de as crianças o fazerem que não passam pelo exercício repetitivo, como é o caso de repetir palavras e números várias vezes até decorar. Desenvolver e treinar a memória é o que as crianças mais fazem no seu dia-a-dia. Não precisamos de pedir às crianças que se interessem por um jogo de futebol e decorem as regras escrevendo vinte vezes numa folha de papel, pois elas já o fazem sem disso precisar. Elas fazem-no à medida que se vão confrontando com a necessidade de saber, ou seja, quando jogam ou quando vêem jogar. Fazem-no sem custo porque é uma actividade que lhes interessa e, portanto, aderem a ela. E, ao aderir, estão a memorizar e a treinar. Mas mesmo as crianças para quem este tipo de jogo não é tão interessante acabam por aprender ou vão perguntando quando têm uma dúvida. O mesmo podíamos dizer para as canções da moda, marcas de automóvel, grupos musicais, um jogo de xadrez ou muitos dos jogos electrónicos que exigem das crianças competências muito complexas e elaboradas. Um outro exemplo é o fenómeno Pokémon - que suscitou estudos, não só de Gil Brougère2 e de Paul Gee3, entre outros, para perceber como é que as crianças que tinham problemas com a aprendizagem conseguiam de forma tão eficaz saber, memorizar e perceber todo o sistema de personagens. São mais de duzentas figuras em diversas cores, que aparecem representadas em cartas, vídeo, bonecos de plástico, filmes, jogos electrónicos, etc., e que "obrigam" as crianças a aprender e decorar todas as suas diferentes formas, nomes e competências. Cada personagem tem cerca de 16 tipos diferentes, com diversas funções, acompanhadas de outros tantos sons que formam um sistema muitíssimo complexo, que as crianças desde muito cedo aprendem sem qualquer dificuldade. Mas o que acontece com este jogo acontece com muitos outros. Neste sentido, precisamos de compreender que também as propostas de trabalho que exigem estudo e esforço têm de ser sentidas pelas crianças como verdadeiramente importantes e suficientemente interessantes para que a elas adiram com vontade e para que as valorizem, para que as trabalhem com gosto. Caso contrário, mal comecem a ter alguma autonomia, deixam o estudo aprofundado de lado e fazem somente o mínimo necessário para passar de ano. É neste sentido que não se pode confundir TPC e estudo. Quando se obriga a memorizar e repetir, estamos a impor uma concepção já programada e raramente as crianças aprendem a pensar, a pôr em causa, e isso não as ajuda a perceber e ficar com vontade de continuar. O que se propõe com muitas situações de jogo é a possibilidade de produzir, mudar e conceber novas formas de fazer/jogar. Isto, aliás, acontece com os estudantes de qualquer nível de ensino e até com os adultos. Não raras vezes ouvimos dizer que os estudantes "decoram e vomitam matéria", sem saber nada. O que, sendo um exagero, é já de algum modo uma forma de se denunciar este tipo de concepção do conhecimento.

*Bolseira da FCT
Investigadora do CIIE/FPCVE
Comunicar para antecipar problemas
Sara R. Oliveira

Há várias estratégias para uma integração tranquila das crianças e jovens no meio escolar. A sociabilidade implica a definição de regras de conduta e castigos aplicados de forma coerente.

A relação entre alunos, a integração das crianças e jovens no espaço escolar, as regras de bom comportamento num meio "habitado" por gente de todas as idades, o castigar ou o não punir, a sociabilização num recinto onde se ensina e se aprende. Quais os aspectos a ter em atenção quando se fala em sociabilidade num ambiente de formação? Os vários caminhos indicam que o sucesso escolar anda de mão dada com a aprendizagem socioemocional dos alunos. Uma aprendizagem que "envolve um conjunto alargado de competências, nomeadamente saber regular as suas emoções para lidar com situações desafiantes, expressar os seus sentimentos de forma adequada, ser empático e ser capaz de adoptar a perspectiva do outro, estabelecer relações que se baseiam na reciprocidade e na cooperação, saber procurar ajuda quando é necessário, gerir e resolver problemas e conflitos e tomar decisões responsáveis".

Joana Cadima, investigadora ligada a vários projectos da Faculdade de Psicologia e de Ciências da Educação da Universidade do Porto em áreas relacionadas com a literacia, aprendizagem da leitura e escrita, risco sociocultural e transição do pré-escolar para o 1.º ciclo, sustenta que essas competências são cada vez mais valorizadas pelos professores. "Deste modo, faz sentido que a escola promova as aprendizagens académicas mas também que dê particular relevo às competências socioemocionais, através da implementação de diferentes estratégias", refere.

Dessas estratégias, há três grupos que se destacam. "O primeiro, e talvez aquele que é mais importante, consiste na criação de um clima de escola positivo, onde as normas e os valores prevalecentes apoiam o estabelecimento de relações positivas. Além disso, é importante que se criem oportunidades para os alunos ajudarem os outros e colaborarem entre si, quer a nível académico (por exemplo, através do trabalho de grupo), quer a nível da organização da sala (por exemplo, na arrumação e distribuição de material), quer ainda a nível da escola e do envolvimento em actividades que contribuam para a sua melhoria." Há ainda a questão da responsabilidade para que os alunos tomem decisões. "Quando os alunos participam genuinamente na vida escolar, nomeadamente na definição e aplicação das regras de comportamento na sala de aula ou na expressão da sua opinião, além de desenvolverem competências relevantes, sentem-se valorizados e mais motivados para o trabalho escolar."

A investigadora garante que os docentes têm um papel importante no processo de socialização e de desenvolvimento socioemocional dos alunos. "Mais do que reagir aos problemas, é importante que o professor implemente regularmente estratégias que promovam os comportamentos desejáveis e apoiem o desenvolvimento integrado de competências socioemocionais. Essas estratégias, além das que já referi anteriormente, deverão passar pelo estabelecimento de relações significativas entre os professores e os alunos, através das quais o professor estabelece expectativas positivas e comunica de forma clara os comportamentos que considera desejáveis (servindo de modelo). É ainda relevante a adopção de uma atitude proactiva, isto é, uma monitorização do que acontece na sala de tal ordem que antecipe eventuais problemas."

Troca de opiniões
O que fazer quando a socialização emperra e se torna um processo demasiado complicado? Cada caso é um caso, é preciso analisar as causas dos problemas, estudar as estratégias mais adequadas. "Podemos referir, contudo, que provavelmente as causas que estarão na origem dos problemas são complexas, pelo que a colaboração entre os pais, os professores e os técnicos é uma das estratégias mais relevantes". E o que fazer para que a integração dos filhos no mundo escolar seja um processo tranquilo? A comunicação é fundamental. "Um envolvimento activo na educação dos filhos, através do diálogo com os próprios filhos e de um contacto regular com a escola e com o professor, que possibilite a troca de opiniões, assim como o conhecimento por parte dos pais do modo do funcionamento e das regras da escola e da sua filosofia, podem contribuir para uma actuação convergente de todos os adultos envolvidos", defende Joana Cadima.

Castigar ou não castigar é uma parte importante da questão. Para Joana Cadima, que está a desenvolver o seu projecto de doutoramento centrado na qualidade das interacções entre professor e aluno no 1.º ciclo, os castigos podem ser ou não adequados. Tudo depende da forma como são concretizados. "Do mesmo modo que é importante estarem bem definidas as regras de conduta, também é essencial que sejam claras as consequências da sua infracção. Existem diferentes teorias, mas de uma forma geral, salienta-se a importância dos castigos serem aplicados de forma consistente e coerente." "Na escola, é importante que as consequências estejam definidas antecipadamente e que todos ajam em conformidade, para apoiar essa consistência. É de salientar, contudo, que mais importante do que ensinar o que não se deve fazer, é ensinar o que se deve. Apesar de ser imprescindível a definição de consequências claras, é essencial dar oportunidades reais para os alunos desenvolverem competências socioemocionais, o que só é possível quando os adultos ensinam, modelam e despendem tempo na sua promoção", realça.

"Os castigos têm de existir, não há dúvida nenhuma", defende Adriana Campos, mestre em Psicologia Escolar e psicóloga na EB 2,3 de Leça da Palmeira. "As regras da sociedade são essas e os castigos devem ser ajustados à idade", refere. E tudo começa em casa. A sociabilidade não pode ser desligada dos exemplos mais próximos. "Há falhas nessa matéria, a falta de regras em casa que se replica a nível da escola. Essa falha que começa no contexto familiar torna-se um ciclo vicioso. Não obedecem em casa e na escola também não", sustenta.

As penalizações têm de ser bem medidas e o factor da personalidade também tem de ser tido em conta. Adriana Campos recorda que há "muita agressividade" no espaço escolar e que, portanto, a família não se pode esquecer da sua função de colocar ordem nas coisas, de ajudar a lidar com o que corre mal. De qualquer forma, a psicóloga garante que há "bons trabalhos" desenvolvidos por professores na área da sociabilidade, que promovem a interacção e o bom relacionamento entre alunos e entre estudantes e docentes, principalmente ao nível da formação cívica. Adriana Campos aponta, no entanto, uma falha. "Os recreios são espaços muito vazios." Há espaços destinados às brincadeiras que permanecem "despidos".